O Banco do Brasil está oferecendo desconto de 95% na dívida de ruralistas que liquidarem à vista seus débitos vencidos. Além disso, disponibiliza desconto nas taxas de juros e prazo de até 100 meses para renegociação a prazo das dívidas vencidas.
“Nos perguntamos até que ponto esse enorme desconto na dívida dos ruralistas não coloca em risco a gestão e o equilíbrio financeiro do próprio BB”, ponderou a coordenadora do Grupo de Trabalho de Defesa dos Bancos Públicos e secretária de Juventude da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Fernanda Lopes. “O agronegócio é um setor consolidado no Brasil que, em meio à pandemia, continuou crescendo. Então, não entendemos por que promover uma negociação que, na prática, anistia 95% da dívida dos ruralistas”, arrematou.
Recente artigo publicado no portal da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), com base em cálculos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, apontou que o PIB do agronegócio alcançou recorde no ano de 2020 e teve alta de 5,35% no primeiro trimestre de 2021. Enquanto isso, o ‘Mapa da inadimplência e renegociação de dívidas do Brasil’, publicado agora em dezembro pelo Serasa, aponta que 75% das famílias têm dívidas, sendo que três em cada dez inadimplentes estão desempregados.
A maior parte do crédito agrícola do BB é direcionada aos grandes produtores. Para a safra 2021/2022, o banco anunciou R$ 135 bilhões em créditos. Desse montante, R$ 87 bilhões para o agronegócio, também chamado de “Agricultura Empresarial”. O restante, R$ 34 bilhões, para a Agricultura Familiar e o Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp). Essa divisão desigual, em favor dos grandes proprietários do agronegócio, repete anos anteriores. Na safra 2020/2021, por exemplo, o BB havia disponibilizado R$ 10,3 bilhões para o crédito agroindustrial e R$ 92,7 bilhões para o crédito rural. Desse total, R$ 64,6 bilhões financiaram a Agricultura Empresarial, R$ 14,4 bilhões os médios produtores e R$ 13,7 bilhões a Agricultura Familiar.
O ‘mutirão de negociação de dívidas’ para os ruralistas no BB começou no dia 6 de dezembro e tinha a previsão de terminar nesta sexta-feira, dia 17 de dezembro. Entretanto, o banco anunciou prorrogação até o dia 30 de dezembro.
Historicamente, a inadimplência entre os pequenos agricultores é menor. Isso porque há uma necessidade inerente desse grupo de pagar em dia suas dívidas para garantir e manter o crédito junto ao banco e cumprir com o ciclo de compra de sementes e ferramentas para cada nova safra. Além disso, a carteira dos pequenos agricultores apresenta risco bem menor para o banco, por ser pulverizada em milhares de contratos. Logo, o mutirão de renegociação de dívidas do BB dá muito mais vantagens aos grandes que ficam inadimplentes devido ao poderoso lobby junto ao governo.
“Não estamos desconsiderando a importância da produção agrícola para o país. Cerca de 80% dos alimentos que chegam às nossas mesas são produzidos pelos pequenos agricultores. O que estamos questionando é o financiamento do modelo predador do agronegócio, que causa desmatamento, alto consumo de água potável e conflitos no campo, por conta da grilagem e concentração de terras nas mãos de poucos produtores”, destacou Fernanda Lopes.
Um dos principais apoios de Bolsonaro no Planalto é o setor ruralista. Inclusive a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) ou “bancada ruralista”, no Congresso, articula em parceira com lideranças do governo a aprovação de propostas que incluem os Projetos de Lei (PL) 2633/2020 e 2159/2021, apelidados pelos movimentos sociais respectivamente como “PL da Grilagem” e “PL da Boiada”.
O PL 2633/2020 estimula a grilagem e o desmatamento ao ampliar a possibilidade de regularização fundiária das terras da União por autodeclaração. Já o PL 2159/2021 flexibiliza as regras de licenciamento ambiental, colocando em risco o meio ambiente e as populações tradicionais indígenas e ribeirinhas.