O sistema de gestão pública do Brasil carece de integração das ações propostas para as áreas rurais e urbanas. É preciso pensar nas políticas públicas entre os dois espaços de modo estratégico, afinal, cerca de 80% dos alimentos que chegam às nossas mesas são da agricultura familiar. Entretanto, as principais políticas públicas para o campo favorecem sobretudo o agronegócio, responsável por um sistema de produção voltado à monocultura exportadora e que deixa, por onde passa, rastros de destruição de florestas e fontes de água.
A avaliação é do presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Aristides Veras dos Santos, que participou de forma remota do sítio de agricultura familiar, que mantém junto com seus pais e irmãos, da mesa “A fome se combate com agricultura familiar”, que aconteceu nesta quinta-feira (9), no 33º Congresso Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil “BB público sim, BB mais social sempre”. A mediação da mesa foi feita pelo presidente da Fetec-Centro Norte, Cleiton dos Santos Silva.
“A fome se combate com a agricultura familiar e precisamos valorizar isto. Mas talvez as pessoas, a sociedade, não saibam dar essa valorização por falta de compreensão”, comentou Aristides, destacando ainda a necessidade histórica de o Brasil enfrentar o debate sobre reforma agrária e o modelo explorador do agronegócio.
“A reforma agrária ainda é um tabu no Brasil. Lá fora, a maioria dos países, sobretudo os capitalistas, fez a reforma agrária”, destacou. “O modelo de produção do agronegócio, além de tudo, adoece a população via uso ostensivo de agrotóxicos”, continuou. “Temos que compreender que temos uma hegemonia muito grande do capital, e o capital busca tirar proveito ao máximo, independente do impacto danoso para as pessoas e para o meio ambiente”, completou.
O presidente da Contag registrou ainda que, mesmo em governos democráticos, foi difícil enfrentar o tema. “O agronegócio continuou crescendo ao longo de todos esses anos. Pedimos, ao menos, que se regule o agronegócio, para pausar o desmatamento, a produção de soja em cima de florestas; que sejam regularizadas as terras no Brasil, para saber o que foi grilado ou que não foi; e que o agronegócio pague impostos. Não podemos aceitar o agronegócio vender para a China, destruindo florestas e secando fontes de águas aqui, sem pagar impostos”.
Aristides ainda avaliou a estranha defesa de grande parte da população, especialmente defensores do agronegócio, pelo Estado mínimo. “Só existe Estado mínimo para os pobres, para a classe trabalhadora. O Estado, entretanto, continua sendo máximo para os donos do capital”, pontuou.
Para o membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gilmar Mauro, é urgente que se debata a lógica do capital, relacionada com a produção agrícola, que produz um desequilíbrio macroeconômico no país, além de causar um esvaziamento de recursos e materiais do Brasil e que deveria ser útil ao povo brasileiro. “Toda lógica do capital é o lucro. E para obter o lucro extrai-se matéria prima, recursos naturais, produz-se mercadoria, devolve-se lixo e compreende-se a natureza como uma espécie de despensa que pode ser utilizada permanentemente, não se dando conta e que são recursos finitos que causam impacto para toda humanidade”, disse. Conforme sua análise, “a lógica da produção agrícola é de transformar em commodities produtos como o café, que são vendidos antecipadamente para grandes conglomerados econômicos de outros países, que acabam por dominar e monopolizar o café, países que sequer produzem um grão.”
Segundo o membro do MST, a soja, o milho e o café são exemplos de commodities, e sua produção e exportação impacta o uso do solo no Brasil. Ele explica que há uma pressão brutal na produção dessas commodities, e que produtos como arroz, feijão, mandioca e outros insumos da alimentação do povo brasileiro vão sendo comprimidos, tudo pelo lucro. “Um país que tem mais de 33 milhões de pessoas passando fome e mais de 100 milhões de pessoas que não se alimentam adequadamente, numa vasta extensão de terra como a que temos, com tantas riquezas naturais, é um país com um monte de problema, um país enfermo e que precisa ser revisto.”
Participou ainda da mesa Paulo Kliass, doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Ele avaliou que a falta de políticas estruturadas e de longo prazo para proteger e fortalecer a agricultura familiar e o grande volume de incentivos e políticas públicas em favor do agronegócio têm favorecido o segundo, a tal ponto que os pequenos agricultores familiares, por falta de recursos para permanecer em suas atividades, acabam “caindo nas demandas do agronegócio”, arrendando terras para atender os grandes produtores. “Esse é um tema que tem a ver com sobrevivência e, infelizmente, muitas famílias acabam abandonando suas tradições históricas de agricultura familiar”, lamentou.
Segundo o levantamento Censo-IBGE, de 2017, enquanto 23% das áreas produtivas são ocupadas pela agricultura familiar, que responde por 68% da mão de obra ocupada no setor, outras 77% dessas áreas estão nas mãos do agronegócio, que responde por apenas 30% das pessoas ocupadas na atividade – números que confirmam a importância da agricultura familiar para a geração de emprego e renda.
A final da mesa, o mediador Cleiton dos Santos Silva, pontou a necessidade da contínua troca de informações e parceria entre todas as entidades agrícolas de posicionamento social. “Precisamos de mais unidade com o movimento campesino. Sem a qual, não conseguiremos continuar lutando para sobreviver e superar os desafios”, refletiu.
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